TÉCNICAS DE PRODUÇÃO DE FERRO
Por volta de 1400 – 1200 a.C. os Hititas dominaram a técnica e fizeram uso extensivo de ferramentas e armas de ferro, entretanto, seu uso, no começo deste período era bem menor que o
bronze, tornando-se o ferro, mais utilizado apenas no fim deste período.
Por volta do ano 1100 a.C. a produção de ferro se espalha por todo o Oriente Médio e sul da
Europa, em particular na Grécia e Chipre. Finalmente, por volta do ano 900 a.C. as técnicas atingem a Europa central, cujos principais centros são Hallstat, na Àustria e
La tene, na Suíça (este último habitado na época por povos celtas).
Por volta do ano 600 a.C. o ferro alcança a Itália habitada pelos Etruscos e norte da Espanha
(Catalunha). Entre os anos 500 e 300 a.C. as técnicas se espalham pelo resto da Europa.
Por volta do ano 100 a.C. os ferreiros celtas desenvolvem a técnica de
sobrepor lâminas de ferro maleável e ferro carburado alternadamente.
Esta técnica se desenvolve e durante a Idade Média é responsável pela produção de imitações das espadas de Damasco genuínas.
AÇO WOOTZ
Por volta do ano 500 a.C. começou a produção de um tipo de aço conhecido como wootz, produzido na Índia e de qualidade inigualável na época. Foi matéria prima da não menos famosa espada de Damasco.
O minério de ferro, magnetita, era
cuidadosamente preparado e misturado a carvão de bambu e folhas de plantas consideradas sagradas e então fechados hermeticamente em cadinhos de argila.
Eram então aquecidos em fornos a carvão em bateladas de até 20 cadinhos. O prolongado tempo em que os cadinhos permanecem no forno, que atingia cerca de
1200°C permitia que o conteúdo de carbono no ferro reduzido aumentasse.
O ferro esponja produzido era então fundido e constituía o fundo do cadinho pesando finalmente, cerca de 2 kg. Seu conteúdo final de carbono era de cerca de 1,5%. Devido às suas excepcionais propriedades, era amplamente apreciado, sendo exportado primeiramente, para Ásia, depois Oriente médio, Iran, Turquia e Rússia.
CHINA
Por volta do ano 1000 a.C. as técnicas de obtenção do ferro por redução parecem ter alcançado a China. Entretanto, por volta do ano 500 a.C. lá surgiu o ferro fundido, conduzindo a técnicas metalúrgicas diversas daquelas desenvolvidas
em outras regiões do mundo. Algumas linhas de pesquisa sugerem que o minério da
região possuía altos teores de fósforo, o que diminui o ponto de fusão do ferro.
Nesse ambiente, diversos avanços foram desenvolvidos na China tais como a utilização de carvão metalúrgico (mineral) com maior poder calorífico em vez de
carvão vegetal.
PRODUÇÃO DE FERRO NA ÁFRICA
Uma série de indícios indicam que na África Equatorial a idade do ferro
sucedeu imediatamente às práticas neolíticas, sem idade do cobre ou bronze. Pequenos objetos de ferro indicam que a metalurgia do ferro na região teria começado por volta do 3° milênio a.C.
O minério da região é muito rico em fósforo, assim como diversas plantas encontradas nesse ambiente, facilitando enormemente
a fusão do ferro por diminuição de seu ponto de fusão. Na África antigas práticas metalúrgicas e estrutura social a elas relacionada
são encontradas ainda hoje.
O ferreiro era uma pessoa muito importante na sociedade, considerado um artesão e ao mesmo tempo uma espécie de feiticeiro que comandava os rituais e dominava as técnicas para fazer “nascer” o ferro a partir do minério e do fogo.
ESPADAS
Espadas têm, historicamente, estado na vanguarda da tecnologia por estarem diretamente ligadas à sobrevivência dos povos. Eram consideradas objetos sagrados em diversas sociedades.
Os grandes mestres ferreiros tinham o reconhecimento das civilizações a que pertenciam na antiguidade. Vários rituais e lendas relacionadas com a produção das espadas se desenvolveram ao longo do tempo, entre outras, a crença de que o ferreiro e o ambiente em que a espada era forjada transferiam uma “força” de natureza mística para a arma.
O design das espadas tem variado enormemente em função das técnicas de combate e o ambiente em que se desenrolavam e da tecnologia disponível em cada época e região. Em sociedades muçulmanas fica claro o aspecto simbólico/religioso da espada que freqüentemente é ricamente decorada com incrustações e versos do Alcorão em sua lâmina ou então o padrão conhecido como escada de Maomé.
As espadas dos samurais japoneses, as katanas, por exemplo, eram freqüentemente decoradas com inscrições budistas e/ou xintoístas.
CELTAS
A Mais Antiga Tradição de Produção de Espadas da Europa.
Os Celtas produziram uma grande quantidade de espadas a partir do séc. VI a.C., conservando o costume de enterrar seus guerreiros com suas armas, assim como os inimigos de batalha. Os Celtas utilizavam uma série de técnicas na produção de espadas, entretanto, é incerto se essas técnicas teriam sido
desenvolvidas por eles próprios ou levadas até eles pelo contato com outras civilizações contemporâneas.
A tradicional espada celta era feita com uma parte de ferro maleável em seu interior e outra de ferro carburado de maior dureza na parte
do fio, caldeados por forjamento. Esta estrutura combinava certa elasticidade com dureza, constituindo lâminas de moderada resistência. A maior parte das lâminas celtas encontradas possui estrutura de perlita e ferrita correspondendo a um aço
hipoeutetóide.
É provável que os Celtas conhecessem a têmpera, mas a presença de martensita ou mesmo bainita nessas é muito rara. Devido à alta taxa de resfriamento requerido para a formação de martensita, é possível que apenas a região do fio contivesse esta estrutura, região da lâmina normalmente encontrada já
corroída pelos arqueólogos.
Importante notar que durante séculos, bronze e ferro foram utilizados de forma concomitante na produção de espadas, dependendo da região. Os romanos, por exemplo, continuaram a utilizar o bronze na produção de lâminas até as Guerras Púnicas contra Cartago no séc. III a.C. pois, ao conquistarem a região da atual Espanha, com ricas jazidas de minério de cobre, não viam vantagem em abandonar o bronze pelo ferro.
ESPADA DE DAMASCO
Descobertas pelo Ocidente durante as Cruzadas, as autênticas espadas de Damasco eram produzidas a partir de aço indiano wootz. Acredita-se que a produção da espada de Damasco teria começado na Índia e se espalhado pela China,
Pérsia, Rússia e todo o Oriente Médio e mundo Islâmico.
O nome Damasco decorre do fato de ser nesta cidade, onde pela primeira vez, europeus, durante as cruzadas, teriam visto exemplares da lâmina.
O fato é que as espadas eram de excepcional qualidade, eram leves, resistentes e combinavam de forma incomum dureza e tenacidade.
Sua superfície apresentava um desenho ondulado com
diferentes tonalidades de cinza, produto de sua particular microestrutura. As regiões claras do desenho de sua superfície correspondem à cementita pro-eutetóide alinhadas e a região da superfície mais escura, corresponde à matriz ferrítica com partículas de cementita esparsa (frequentemente denominada esferoidita ou
cementita globulizada).
Durante muitos séculos, a Europa tentou sem sucesso reproduzir a espada de Damasco genuína devido à sua lendária qualidade e design,
entretanto, sua intrincada técnica de produção que envolvia uma série de
procedimentos de forja em faixas de temperatura específicas, tornou a tarefa extremamente árdua.
Diferente de suas imitações compostas de várias peças
caldeadas e forjadas juntas, a espada de Damasco era produzida de um único lingote de aço wootz indiano com cerca de 1,5% de carbono.
As sofisticadas técnicas de produção da lâmina damascena parecem ter se desenvolvido
inicialmente na Índia, difundindo-se ao longo do primeiro milênio d.C. para o Oriente Médio, China, Rússia e para o mundo árabe onde se tornou símbolo e parte integrante de sua cultura.
Os últimos exemplares de espadas de Damasco foram produzidas no princípio do século XIX e, sua técnica de produção foi então perdida.
Apenas no final do séc. XIX começou-se a desvendar a sofisticada metalurgia envolvida na confecção do aço de Damasco. Os primeiros estudos científicos
ocidentais sobre o aço de Damasco começaram em 1795 na Inglaterra com Pearson.
No começo do séc. XX descobriu-
se que o padrão macroscópico damasceno era produto de um alinhamento cíclico de partículas de carboneto, a cementita. Apenas no século XX, estabeleceram-se
procedimentos que conduzem à reprodução do padrão damasceno.
Duas equipes americanas foram as responsáveis por tais estudos.
Segundo Sherby e Wadsworth o padrão Damasceno seria decorrência de faixas de cementita de origem pro-eutetóide alinhadas, responsáveis pela aparência
mais clara no desenho de Damasco, produzidas durante resfriamento lento e controlado da austenita. Esta cementita pro-eutetóide, que nucleia nos contornos de grão austeníticos, é então quebrada pela deformação mecânica de um complexo
procedimento de forjamento.
O primeiro passo é homogeneizar a estrutura bruta de fundição assim como uniformizar a distribuição do carbono na matriz austenítica. Isto
é feito pelo aquecimento do aço wootz (entre 1,5%C e 2,0%C) até cerca de 1100°C enquanto os primeiros passos da deformação ocorrem.
Em seguida o material é reaquecido a 1100°C, permanecendo nessa temperatura por 48 hrs. Este
procedimento promove o surgimento de grãos grosseiros de austenita. A
temperatura é então lentamente reduzida permitindo a nucleação e crescimento de cementita pro-eutetóide intergranular.
O aço de ultra alto carbono (wootz) é novamente aquecido até uma faixa de temperatura entre 650°C e 750°C, o que impede que o carboneto pro-eutetóide desapareça mas permite a dissolução do carboneto eutetóide. O forjamento continua então essa temperatura quebrando as redes contínuas de cementita pro-eutetóide.
John Verhoeven e sua equipe da Iowa University pesquisaram a literatura disponível sobre o aço de Damasco e após uma série de experimentos levantaram
uma hipótese diferente daquela desenvolvida por Sherby.
Verhoeven conclui que as partículas alinhadas de cementita, responsáveis pelo característico padrão damasceno são formadas devido à segregação de impurezas durante o processo de solidificação do lingote de aço wootz. A segregação é um fenômeno físico que ocorre durante a solidificação e que gera a criação de um gradiente de concentração de solutos dentro dos grãos solidificados. Na medida em que a solidificação fora das
condições de equilibrio avança formando estruturas dendríticas, grande parte dos solutos vai sendo expulsa para o líquido remanescente resultando em alta concentração de solutos nas últimas regiões a solidificar.
Os espaços interdendríticos.
Estas regiões atuam como regiões de nucleação para posterior formação da cementita. A técnica sugerida por Verhoeven consiste em elevar e manter por um curto período a temperatura do lingote em cerca de 1100°C de forma a austenitizar o material e dissolver novamente a cementita na austenita. O tempo não deve ser muito prolongado, pois poderia acabar uniformizando a distribuição das impurezas, o que é indesejável.
Em seguida uma série de ciclos deve ser realizada na qual, pelo menos um deve ser abaixo da temperatura de transformação 723°C, isto permite a formação de novas partículas de cementita. A principal diferença entre este método e o de O. Sherby é o fato da cementita alinhada visível na superfície da lâmina ser de origem diferente daquela obtida por este.
Segundo Sherby, as carreiras de partículas de cementita tem origem pro-eutetóide, formando-se nos
contornos de grão, já para
Verhoeven, os carbonetos se originam durante os ciclos térmicos, mas não são formados pela deformação mecânica do forjamento.
Importante destacar que Verhoeven identificou uma série de características microestruturais típicas das lâminas de aço de Damasco que podem ser utilizadas
como critérios para sua identificação. Entre essas características encontram-se o
tipo, tamanho e geometria das partículas de carboneto, assim como a distância entre as linhas formadas por estes.
Segundo estes critérios, as lâminas reproduzidas através das técnicas de Sherby não possuem o mesmo padrão damasceno das lâminas genuínas.
AÇOS MODERNOS UHC
Recentemente diversos aços com elevado teor de carbono e estrutura
inspirada nos aços de damasco tem sido comercializados. No Brasil, aços “pinpoint carbide” (DIN 120Cr) ou ainda os 125Cr1 125Cr2.
Os UHCS (Ultra High Carbon Steels) são aços hipereutetóides com teor de carbono entre 1 e 2%.
Aços com esse teor de carbono tem sido freqüentemente associados à baixa tenacidade e alta fragilidade. Entretanto, a presença de cementita
pró-eutetóide, responsável pela fragilidade dos aços com tais teores de carbono, pode ser evitada caso o processamento termomecânico seja adequado.
Durante esse processamento, pode-se obter grãos ferríticos extremamente refinados
e carbonetos esferoidizados finamente dispersos nessa matriz. Esta microestrutura torna o aço superplástico a temperaturas próximas a curva A1.
A superplasticidade pode tornar a deformação mecânica muito mais fácil e simples, eliminando etapas de conformação, permitindo produção de geometrias complexas. O produto final apresenta alta resistência, ductilidade e tenacidade à temperatura ambiente, o que o
torna particularmente interessante para aplicações de engenharia.
CONCLUSÂO
Os trabalhos desenvolvidos pelas equipes de Sherby e Verhoeven levantam hipóteses e descrevem de forma detalhada os procedimentos através dos quais a espada de Damasco teria sido produzida durante a Idade Média.
Embora freqüentemente reconhecidas como sendo concorrentes, as duas hipóteses podem ser complementares. A seqüência dos possíveis procedimentos utilizados pelos ferreiros muçulmanos medievais e fenômenos metalúrgicos descritos
por cada um dos autores podem ter atuado de forma concomitante na formação dos carbonetos do padrão damasceno observável nas lâminas antigas.
REFERÊNCIAS
CHARRE, M. D. The microstructure of steels and cast irons, Springer; 1 edition, apr. 2004.
SHERBY, O.D., Ultra High Carbon Steels, Damascus steels and Ancient Blacksmiths. J International, Vol. 39 (1999), No. 7, pp. 637-648.
VERHOEVEN, J. D.,PENDRAY, A. H., GIBSON, E.D., Wootz Damascus Steel Blades. Elsevier Science Inc.
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