O 15N20 E O AÇO DAMASCO (By Maxime Ferrum)

É comum durante os eventos de cutelaria fazerem-me perguntas sobre facas. Como sempre respondo, não sou cuteleiro, portanto não me atrevo a dar palpite mesmo porque não me sinto a vontade falando do que não entendo.
Algumas coisas porém a minha formação permite falar e gostaria de falar um pouco do aço 15N20, que é o usado para confecção do aço damasco, junto normalmente com o 1070/1075 ou 1095.
O aço 15N20 é uma variação do aço 1075, do qual difere principalmente devido a adição de cerca de 2% de níquel. 
Por que isso?
O principal motivo dessa adição de níquel é diminuir aquilo que em metalurgia chamamos de temperatura de transição de fratura dúctil para frágil.  Aços, quando expostos a determinadas e baixas temperaturas, podem romper-se fragilmente e isso não é desejável pois pode gerar uma falha catastrófica na peça ou equipamento em uso. A temperatura onde isso acontece é chamada de TEMPERATURA DE TRANSIÇÃO, e é uma faixa de temperatura muito pequena onde a energia absorvida pelo material no impacto diminui drasticamente e o mesmo rompe-se fragilmente e foi descoberta a duras penas na história, inclusive com perda de vidas, pois quando se desconhecia isso construíam-se embarcações que muitas vezes ao chegarem a regiões frias, perto dos polos ou durante o inverno rigoroso da América do Norte simplesmente partiam-se com os esforços aplicados afundando e gerando muitas perdas de vida. Isso pode ser visto claramente na imagem que ilustra esse texto.
Outro caso clássico que mostra isso de forma clara é o naufrágio do Titanic. Estudos feitos no metal após o resgate do mesmo recentemente demonstraram que a baixa temperatura foi fator determinante no rompimento violento do casco do mesmo. Se a água do mar, que estima-se estar a cerca de -1,1ºC no momento do acidente, estivesse mais quente as dimensões da tragédia seriam bem menores, pois a fratura seria menor e portanto o naufrágio mais lento.
 Infelizmente o aprendizado foi a custa de muitas catástrofes e somente pesquisas posteriores para entende-las é que geraram o aprendizado.
A temperatura de transição portanto é uma temperatura onde o material, que normalmente se deformava antes do rompimento (fratura dúctil) permitindo que observássemos o problema, de repente passa a romper-se fragilmente (como vidro, ou um aço com uma têmpera muito violenta e sem revenimento). Observo aqui que uso o exemplo de um aço sem revenimento apenas para ilustrar o que é uma fratura frágil, porém isso não tem nada a ver com a temperatura de transição.  Constatou-se também que isso não ocorre em metais com estrutura cristalina tipo CFC como o níquel, cobre, etc. 
Ora, mas o que isso tem a ver com o 15N20?
Ocorre que em regiões e países muito frios, como o norte da Europa, Canadá, etc, durante o inverno rigoroso os aços comuns de serras, por exemplo o 1075, podem às vezes ficarem frágeis por alcançarem a temperatura de transição e também é de conhecimento que a adição de níquel ajuda a diminuir ainda mais essa temperatura que vai alterar a fratura do material e consequentemente evita que as serras se rompam. Com isso evita-se o efeito adicionando-se níquel
Mas porque é diferente a cor no damasco?
A operação de aquecimento e forjamento do damasco vai promover um caldeamento entre as camadas de 15N20 e o outro aço. Esse caldeamento é como uma pequena “penetração” de um aço no outro devido ao que chamamos de fusão incipiente, ou seja, alguns grãos fundem-se com a temperatura e a pressão unindo os dois materiais, porém apenas superficialmente.
Ao se fazer o ataque para revelar o damasco acontece que o 15N20, por ter um pouco de níquel resiste um pouco mais a oxidação e corrosão (atenção: ele não é um aço inoxidável, longe disso) do que o outro aço, permanecendo portanto mais claro e revelando a figura. Essa é a explicação metalúrgica, sucinta, do que é o 15N20 e porque fica mais claro no damasco.
Quanto ao desenho do damasco, isso é outra história. Isso fica nas mãos do artista que manuseou, forjou, dobrou, torceu, em resumo, fez a obra de arte.

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