AÇO DAMASCO & METALOGRAFIA

Diferente do que ocorreu com outras ciências puras, ao longo da história, a metalurgia tem se beneficiado e desenvolvido, devido a interação a entre teoria e o conhecimento empírico. 
Nesta área do saber, é muito evidente como a observação 
prática e sua aplicação, precederam o conhecimento científico. 

A cristalinidade dos metais foi constatada não como produto de uma previsão teórica, mas sim por meio da observação direta com microscópio. Interessante notar que isto ocorreu cerca de dois séculos depois que a biologia os utilizasse para seus estudos.

Isto se deu, principalmente, porque as superfícies do metal a ser 
observado deviam sofrer um tratamento adequado para, então, poderem ser observadas ao microscópio, fato que não era óbvio. Neste caso, não foi o conceito que 
levou à descoberta, mas sim a própria observação empírica. 

Os metais são constituídos de pequenos cristais, chamados hoje de grãos. Embora este fato só tenha sido plenamente compreendido pela ciência ao final do século XIX, já era utilizado havia muito pelo ferreiro e o artesão. 

O ataque químico seletivo era utilizado por eles, desde, pelo menos no século II d.C., tanto com fim decorativo como na forma de prova da qualidade de uma arma. No Oriente, as técnicas que revelam a estrutura do material possuem longa tradição e já eram utilizadas na mesma época que na Europa.

Entretanto, no Oriente, as técnicas, que atingiram um alto nível de 
refinamento, parecem ter se pautado mais por um propósito artístico do que prático.
Uma ótima ilustração do domínio oriental das técnicas de ataque executadas para revelar a estrutura do metal é a própria espada de Damasco.

A qualidade da espada de Damasco, assim como a da espada japonesa, pode ser vista como consequência da capacidade do ferreiro medieval, de relacionar a confiabilidade de um determinado implemento com certas texturas visíveis e, assim, desenvolver meios de manufatura que as produzissem. 

Mais tarde, as tentativas de se entender e reproduzir os aços orientais, como o aço de Damasco, 
conduziram a importantes descobertas científicas. O trabalho de Tchernoff sobre transformações em aço, por exemplo, foi inspirado por seus antecessores, que tam-
bém tentaram reproduzir o aço de Damasco.

As espadas de Damasco parecem ter sido precedidas pelas espadas merovíngias caldeadas. Entretanto, lâminas produzidas com o aço de Damasco podem ser mais antigas que lâminas européias caldeadas. Na realidade, podemos desenhar três hipóteses sobre o assunto.

A primeira seria de que as lâminas de Damasco genuínas teriam sido inspiradas pelas espadas européias compostas ou caldeadas, técnica esta que data da época celta, e se desenvolveu a partir de então ao longo do período merovíngio, carolíngio e viking. 

A segunda hipótese é de que as lâminas de Damasco genuíno teriam inspirado o desenvolvimento das técnicas de manufatura de lâminas europeias caldeadas. 
Esta possibilidade repousa sobre o fato de termos indícios de produção de aço de cadinho UHC já na época de Alexandre, o Grande, assim como fragmentos de lâminas de Damasco datando dos primeiros séculos de nossa era. 
A terceira hipótese é de um desenvolvimento independente na 
Europa e na Ásia.

A severa deformação mecânica necessária para a manufatura de uma lâmina composta de placas de diferentes composições por forjamento e caldeamento produz uma lâmina com propriedades mecânicas superiores a produzida pela forja de uma peça única de ferro esponja. 

As técnicas de ataque químico que revelavam o processo prévio de caldeamento de diferentes materiais devem ter se desenvolvido posteriormente ao domínio das técnicas de produção de lâminas compostas, na tentativa de constituir-se em um meio de verificar a qualidade da espada. 

Este fato pode também ter influenciado o desenvolvimento deliberadodos padrões verificados durante o período merovíngio. 
O aumento da complexidade dos
dos padrões das espadas neste período também pode ser visto como uma evidência de que já existia na Europa, nessa época, conhecimento de técnicas que revelassem a estrutura dos metais por meio da distinção entre regiões da superfície da lâmina de diferentes composições, o que, na realidade, constitui o fundamento da metalografia. 

O artesão da antiguidade, podia lançar mão de técnicas que 
envolvessem a utilização de soluções minerais corrosivas, ácidos, sucos de frutas, etc., que acabam produzindo contraste entre o aço e o ferro, por exemplo.

O conhecimento empírico dos ferreiros a respeito das formas de se revelar a estrutura dos metais, desde a antiguidade, seja em nome da arte ou para fim prático, pode ser valioso para a história da ciência, na medida em que revela, de forma dramática, como o conhecimento pode ser impulsionado pelo senso estético e pela intuição, mesmo antes de ser induzido por qualquer sistema teórico.

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